Sorrir
é reconhecer o outro como pessoa. Abrir um sorriso é começar a mudar o
mundo, porque significa colocar o amor – e não o egoísmo ou o interesse
pessoal – no centro da vida humana.
A Encíclica de Bento XVI – Deus Caritas Est – sobre
o amor apanhou de surpresa os meios de comunicação em todo o mundo.
Muitos esperavam um documento que denunciasse os graves males que
atingem a nossa sociedade. Mas qual não foi a surpresa quando se
depararam com um texto ao mesmo tempo muito sugestivo e muito terno. Num
dos últimos parágrafos, o Papa diz: “O amor é uma luz – no fundo, a
única – que ilumina constantemente o mundo em trevas e nos dá a força
para viver e agir. O amor é possível, e nós podemos pô-lo em prática, porque fomos criados à imagem de Deus.
Viver o amor é levar a luz de Deus ao mundo. Este é o convite que
desejaria fazer com esta Encíclica”. Um pouco antes, havia explicado que
“o amor não se reduz a uma atitude genérica e abstrata, mas requer um
compromisso prático aqui e agora”. Uma das maneiras de pô-lo em prática é
dar-se ao trabalho de sorrir.
Como todos apreciamos o sorriso amável das pessoas! Ao
mesmo tempo, como é frequente que nos recusemos a sorrir! É estranho
que, gostando tanto de que as pessoas nos atendam com um sorriso, nós
sejamos, às vezes, tão renitentes em sorrir para a pessoa que nos pede
um pouco de atenção. Os meios de comunicação, habitualmente, mostram-nos
rostos violentos, irados ou doloridos, que nos comovem, mas quando nos
põem, diante dos olhos, caras sorridentes, tendemos, com frequência, a
considerá-las falsas e forçadas, pensando que essa amabilidade seja
apenas um disfarce, uma tática para conseguir algum proveito ou
interesse próprio. Da mesma forma, achamos difícil que alguém nos possa
acolher com um sorriso afetuoso sem nos conhecer, mas, ao mesmo tempo,
todos nos lembramos da maravilhosa experiência de um sorriso que nos
acolheu logo no início da manhã e que foi capaz mudar o nosso dia.
É
uma pena menosprezar o sorriso, pois é um dos mais típicos traços do
ser humano. Ludwig Wittgenstein – que muitos consideram o filósofo mais
profundo do século XX – anotava numa obscura passagem das suas Investigações Filosóficas: “Uma boca sorridente só sorri num rosto humano”. Com essas palavras, Wittgenstein afirma que, para
haver um sorriso, é preciso que haja um rosto humano que dê significado
a ele; mas, talvez, sugira também que um rosto só é plenamente humano
quando sorri. Os filósofos da escolástica medieval já haviam percebido que a capacidade de sorrir é uma característica própria dos seres humanos, uma propriedade derivada, necessariamente, de sua essência. Omnis homo risibilis est, diziam: “Todo homem é capaz de rir”. Dar-se ao trabalho de sorrir é um modo aparentemente simples de tornar este nosso mundo um pouco mais humano e, assim, tornar mais humana a nossa própria vida.
Para entender um pouco mais, vale a pena recordar a gênese do sorriso, o modo como ele surge na criança. Segundo dizem os especialistas em desenvolvimento infantil, quando um bebê se sente satisfeito, apresenta no, arco bucal, um reflexo espontâneo que faz a mãe pensar que ele está sorrindo. Emocionada com o aparente sorriso do seu bebê, a mãe o premia com carícias e festinhas afetuosas. Por sua vez, entusiasmada com essa onda de ternura efusiva, a criança corresponde imitando a expressão do rosto materno com um sorriso ainda mais franco e aberto. Esse processo educativo tão peculiar mostra que o sorriso não é um mero reflexo espontâneo de prazer, mas sobretudo uma valiosa conduta comunicativa.
Certa
vez, uma aluna do doutorado veio visitar-me junto com a sua filha
Carmen, que tem pouco mais de um ano. Demos à menininha um brinquedo
simples para entretê-la enquanto conversávamos sobre filosofia. Em um
dado momento da conversa, quando rimos abertamente de uma piada
filosófica, Carmen uniu-se entusiasmada às nossas risadas, como se
tivesse entendido alguma coisa. Com essa risada espontânea, deu-nos uma
verdadeira lição de filosofia: rir juntos, sorrir uns para os outros,
cria espaços formidáveis para a comunicação.
Sorrir
é reconhecer o outro como pessoa: sorrimos para o porteiro ao entrarmos
no edifício onde trabalhamos, mas não para a máquina de fotocópias que
está no corredor. Existem pessoas nas quais o sorriso parece ser natural. Vem-me à memória o maravilhoso sorriso de João Paulo I,
que, nos breves dias do seu Pontificado, encheu o mundo de esperança.
No livro que ele escreveu, poucos anos antes, intitulado 'Ilustríssimos
Senhores', podemos ler o seguinte: “Infelizmente, só posso viver e
distribuir amor no corre-corre da vida cotidiana. Nunca tive de fugir de
alguém que estivesse querendo matar-me, mas não faltam aqueles que põem
a televisão alta demais, ou fazem barulho, ou simplesmente são
mal-educados. Em todos esses casos, será preciso compreendê-los, manter a
calma e sorrir. Nisso consistirá o verdadeiro amor sem retórica”.
Tudo
leva a crer que um sorriso, aparentemente tão natural, é fruto de um
prolongado esforço de muitos anos. Algo parecido contava-me um colega,
relatando a sua experiência: “Há épocas – dias – em que sorrir é um ato
heroico, pelo menos para mim; dias em que dormimos mal, dias em que não
nos sentimos bem, física ou psicologicamente; dias em que temos
preocupações ou a cabeça tão ocupada que não conseguimos colocá-la nas
pessoas que se encontram ao nosso lado. Mas se você se propuser,
conseguirá sorrir e até arrancará comentários do tipo: 'Você, sempre
sorrindo! Como deve estar de bem com a vida!'. Mal sabem eles o quanto
cada sorriso está me custando!”
O sorriso suscita sempre muita gratidão, tal como no caso da mãe com o seu bebê. Quem sorri colhe, muitas vezes, o sorriso e o afeto dos outros.
É muito conhecida aquela afirmação de William James, um dos fundadores
da psicologia contemporânea: “não choramos por estarmos tristes, estamos
tristes, porque choramos”. Parece-me que algo semelhante se pode dizer
do sorriso. De fato, quando encontro pessoas que sofrem por causa do seu
isolamento, das suas dificuldades de comunicação com os outros, costumo
animá-las a que se empenhem em sorrir para os que estão à sua volta;
não sorrimos, porque estamos contentes, mas estamos contentes porque
sorrimos. Não importa que, num primeiro momento, o sorriso seja forçado
ou pareça artificial, mas depois, com a prática repetida, vai-nos
tocando por dentro até que chega a alegrar o coração.
Alguns
pensam que a história humana é movida pelas guerras, que o motor do
progresso social e científico são os conflitos e os confrontos. Mas
Bento XVI nos recorda, com a sua Encíclica, que é precisamente o
contrário: o motor da história – se é que a história tem um motor – é o
amor, é o diálogo e a comunicação entre as pessoas e entre os povos. O
que ele nos ensina é que mudaremos o mundo à base de carinho. Neste
sentido, pôr-se a sorrir é começar a mudar o mundo, porque significa
colocar o amor – e não o egoísmo ou o interesse pessoal – no centro da
vida humana. Por isso, se quisermos começar a mudar o mundo, vale a pena
levar a sério o trabalho de sorrir.
Jaime Nubiola http://www.quadrante.com.br/
Via Canção Nova
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