“Se ressuscitastes com Cristo, buscai as coisas do alto, onde Cristo
está entronizado à direita de Deus; cuidai das coisas do alto, não do
que é da terra” (Cl 3,1-2). A um ouvinte apressado, essa advertência do
apóstolo Paulo à comunidade de Colossas, cidade na Ásia Menor (Turquia),
poderá parecer alienante, fazendo brotar em seu coração uma série de
perguntas: “E as coisas da terra? E a luta pelo pão de cada dia? Como
ficam as injustiças, os problemas dos desempregados, dos famintos e dos
sem-casa? Afinal, é o ser humano que faz a história e muda os
acontecimentos. Buscar, pois, as coisas do alto não seria uma fuga?”
Entra em jogo, em tais interrogações, a própria concepção de fé e,
consequentemente, tudo o que lhe diz respeito, inclusive a oração.
Ao nos convidar a buscar as coisas do alto, Paulo simplesmente
procurava dar um novo sentido à nossa vida. Ele sabia que, sem um olhar
que ultrapasse as circunstâncias do nosso dia a dia, nos transformamos
em seres agitados e inquietos, vazios e superficiais. A agitação gera
pessoas estressadas; quem transforma o mundo são os sábios – herdeiros
da sabedoria que vem de Deus. Procurar as coisas do alto, ver o mundo
como Deus o vê, dar a cada pessoa, acontecimento ou objeto o valor que
Deus lhe dá, não são, justamente, algumas das dimensões da oração?
Tento me explicar melhor com uma lenda.
Alguns anjos, preocupados, procuraram o Criador e lhe disseram que
estavam percebendo que as pessoas rezavam pouco. Um grupo deles foi,
então, encarregado de investigar o problema, para descobrir suas causas.
A comissão fez pesquisas e chegou à conclusão de que todos reconheciam,
sim, a importância da oração. Faltava-lhes, contudo, o tempo necessário
para rezar, absorvidos que estavam em mil outras ocupações.
Um dos anjos propôs, como solução, uma diminuição forçada da agitação
da vida moderna; outro, que as pessoas fossem castigadas, para assim
aprenderem a respeitar os direitos do Criador; a idéia aceita, contudo,
surgiu quase no final do encontro: “Já que os homens e mulheres dizem
não ter mais tempo para rezar, que Deus acrescente uma hora extra a cada
dia. E essa hora deverá ser totalmente dedicada à oração”. A proposta
foi levada ao Senhor e, uma vez aprovada, o dia passou a ter vinte e
cinco horas.
Transcorrido um bom tempo, os anjos, surpresos, perceberam que não
estavam chegando mais orações ao céu. Foi, então, formada uma nova
comissão para estudar o inesperado fenômeno. Os anjos vieram aqui na
Terra e constataram que as reações à hora extra eram diferentes, de
pessoa para pessoa, de grupo para grupo.
Os homens de negócio estavam gratos pelo dia mais longo, pois, agora,
seus lucros eram maiores; contudo, como deviam se preocupar com o
pagamento de horas extras a seus funcionários, não lhes sobrava tempo
para rezar. Um anjo foi a um sindicato e ali o receberam gentilmente.
Explicaram-lhe, porém, que tal hora era uma antiga reivindicação da
classe trabalhadora, que há muito estava mesmo querendo mais tempo para o
lazer. Os intelectuais, por sua vez, argumentaram que não ficava bem
determinar a pessoas adultas o que fazer com seu tempo. Já alguns
teólogos disseram ao anjo que essa vigésima quinta hora tinha vindo no
momento certo: estavam mesmo querendo escrever sobre a oração, mas lhes
faltava tempo para isso. Agora, quem sabe, o livro sairia…
Enfim, cada qual tinha sua desculpa para não dedicar a hora extra à
oração. Os anjos constataram, por outro lado, que algumas pessoas tinham
acolhido com alegria esse dom de Deus e rezavam mais. Eram, contudo, os
mesmos que antes já encontravam tempo para rezar…
Conclusão: a oração não é uma questão de tempo mas, sim, de amor. O
tempo, por si só, não produz pessoas de oração. Quem nunca reza, nunca
encontra tempo para rezar, mesmo que seus dias sejam mais longos. Quem
ama, sempre encontra tempo para fazê-lo. Por isso, os anjos pediram ao
Senhor que fosse revogada a vigésima quinta hora e cancelada sua
lembrança na mente dos homens.
E assim aconteceu.
Por Dom Murilo S. R. Krieger, scj - Arcebispo de São Salvador da Bahia – Primaz do Brasil
Via Sou Sagrado, Sou Feliz
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