sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Carnaval é cultura


O carnaval é um cartão postal do Brasil para o mundo. Como a Igreja vê a questão da cultura e da fé? Elas se unem?

O carnaval do “mundão” é o que é por culpa da Igreja. Quem criou o carnaval? Foi a Igreja, porque o carnaval era uma festa adaptada do paganismo, mas como uma experiência religiosa, comunitária. Se você entrevistar uma pessoa de 50 ou 60 anos ela vai lhe contar como se ia no carnaval antigamente, a família ia celebrar a alegria, externar a alegria. O carnaval era uma festa profundamente religiosa, familiar e comunitária. Com o passar do tempo, foram se infiltrando pessoas que não tinham família, que não comungavam desse desejo de celebrar a alegria em família. E na Itália iniciou-se um processo de mascaramento do carnaval. Para que as pessoas se divertissem à vontade sem que fossem descobertos, começaram a usar máscaras.


Por um puritanismo abestalhado afastou-se o religioso da cultura. E quando acontece a separação da cultura e da fé, a cultura caminha sozinha daí sim, infelizmente com uma forte influência maligna. O que aconteceu com os grandes focos do carnaval no Brasil? Rio de Janeiro, São Paulo, Salvador e Recife? Pouco a pouco a fé foi ficando de fora e a partir da cultura popular acabou assumindo falsos valores. Não era mais uma festa de família, não era mais uma festa de brincantes, mas sim uma festa com o objetivo claro de levar as pessoas à alienação de si mesmo pelas drogas, alienação do valor do seu corpo pela prostituição, alienação da sua vontade pelo alcoolismo, pela bebida. Então aquilo que era uma festa para a família brincar, ela não pode mais participar.

Por um lado as escolas de samba mostrando a nudez como se fosse o maior valor e isso patrocinado por um grande canal de televisão, e vende isso para o mundo inteiro. O Brasil é conhecido como o país do carnaval e do futebol;e daí que nós precisamos recuperar o grande sentido comunitário que se manifesta no carnaval e no futebol, que o Brasil é um país de gente que aprendeu a ser família, a ser irmão. Mas se a Igreja não mergulhar lá no âmago dessa festa para recuperar o sentido religioso e fazer com que aconteça uma inculturação e não aculturação do Evangelho a partir do que as pessoas estão experimentando não conseguiremos retomar o sentido cristão, alegre, brincante e festivo.

E o perigo é acontecer conosco o que aconteceu com alguns grupos religiosos, que se afastaram de tudo porque é algo sujo e feio. Um elemento importante e que ajuda nesse processo de inculturação é mostrar que as nossas festas carnavalescas como esta que acontece aqui na Canção Nova não são uma fuga do carnaval. Não estamos negando o carnaval! Estou gostando muito deste slogan O CARNAVAL É AQUI! Pois é justamente isso, aqui é o verdadeiro carnaval porque para brincar você não precisa de máscaras, e assim experimente a alegria interior.

Precisamos de propostas que levem as pessoas a experimentarem a alegria. Não adianta de nada dizer para a pessoa não ir lá, porque se a pessoa vai e experimenta a alegria e a alegria é sensível, Santo Tomás de Aquino aqui precisa ser lembrado, ele dizia que tudo aqui que chega na razão humana passa pelos sentimentos. A alegria que a pessoa sente lá é uma alegria real. Aquela música, aquela batucada, a beleza, o conjunto da obra, leva as pessoas a viverem uma alegria. Agora, eu só vou convencer as pessoas de que existe uma alegria maior, levando-as a experimentar a verdadeira alegria. Eu só vou conseguir mostrar para as pessoas que existe uma música que me eleva além de me alegrar, à medida que as pessoas cantando nossas músicas, dançando nossas canções experimentem uma alegria que não é regada com bebida e com droga. É com valores com algo objetivo, retomando Santo Tomás, passando pelos sentimentos, pelas emoções que nós vamos atingir os corações das pessoas. Essa é a grande missão da Igreja: levar as pessoas a experimentar a verdadeira alegria para levarem outras pessoas que estão buscando alegria nos caminhos falsos reencontrem os caminhos de Deus, reencontrem o “Deus que dança” (Sofonias 3, 14ss ) o “Deus que ri” (Salmo 2 e Salmo 36)

Existem 1650 definições de cultura, a extensão do conceito é tão grande que se afirma o seguinte: Tudo aquilo que o ser humano faz é cultura. Motivado por quem? Motivado por religião é cultura; por interesse econômico é cultura; o artesanato, a comida, a roupa, tudo isso é cultura. O ministro do Ministério da Educação e Cultura, Gilberto Gil, está tentando, por exemplo, fazer com que o samba seja patrimônio cultural do Brasil, justamente porque a dança é cultura. O Círio de Nazaré também é cultura!

Paulo VI percebeu muito bem, João XXIII já havia percebido, e a Igreja precisa descobrir: Quando o verbo de Deus se fez carne e habitou entre nós, Jesus assumiu a cultura, Ele assumiu o jeito de ser humano. O humano é caminho para o sagrado, e eu vejo aqui a questão da moda, da cultura, do desenho, do artesanato, a necessidade do ser humano entrar em comunhão com Deus, a necessidade do ser humano externalizar seus sentimentos e suas emoções.

O Evangelho precisa entrar aí, aonde ele não entrar vai acontecer o que percebemos nestas manifestações culturais de carnaval.

O que mais se fala nos desfiles das escolas de samba é a palavra comunidade. “A comunidade da vila tal”, “a comunidade de não sem da onde”. Por quê? Porque ali tem todo um esforço comunitário; é preciso renunciar muita coisa para estar lá, gente que passa lá dia e noite, trabalhando e gastando; gente que paga caro para desfilar porque aquilo é fruto de expressão comunitária, a comunidade está ali, mas mal usada. É mesma coisa que uma faca: Você tem uma faca em casa para cortar legumes, frutas, descascar alguma coisa para cozinhar, mas esta mesma faca pode matar alguém. È mais ou menos o que acontece com a cultura. Quando eu tiro o elemento espiritual do elemento cultural ela torna-se um elemento de morte. É o que está acontecendo hoje em muitos carnavais: a música e a dança estão levando à morte, é a “cultura de morte!” 
 
Pe. Léo,sjc - Comunidade Bethânia

07/02/2005 

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